Conselhos

Moça, senta aqui. Vamos conversar... Pra onde vai, assim, se achando a dona da verdade?

Mocinha, mocinha, mocinha, você não sabe de nada ainda, então sente aqui e vamos conversar.

O tempo passou, hein? Você continua sendo a minha eterna criança. A minha linda criança. Uma criança muito enigmática, com questionamentos de adultos, mas ainda assim, a minha criança, a minha menina. Como foi difícil te decifrar, menina. Mas eu consegui. Eu quebrei os seus códigos. Eu continuo quebrando os seus códigos.

Hoje, pela manhã, quando fui te acordar, soprei em seu ouvido e você, numa espécie de balbucio, falou: '- Não vou sonhar mais. Não quero. Não suportaria de novo.'

Você acordou, sentou-se na cama, virou-se para mim e se fez de forte. Ergueu o queixo, seguiu para o banheiro, lavou o rosto, olhou-se no espelho e se fez de forte. A água que lavara seu rosto, talvez, arrancasse de sua mente seus sonhos, promessas, palavras, tudo. Pensara. 

Mocinha, o que te fez pensar assim? Ah, criança medrosa, por que pensas assim? Tenta esconder as suas lágrimas, diz que não dói, mas eu vejo a nascente de rio que está se originando em você.

Você fez o seu barquinho de papel, colocou ele no mar, ele seguiu. 

Eu soprei um vento mais forte que o normal e você já quer amassar o seu barquinho de papel. O seu branco barquinho de papel. O seu alvo barquinho de papel.

Não faça isso, menina. Não olhe assim, mocinha. Você é maior que o barquinho de papel. Diminua e entre no barquinho.

Diminua, e tente caber no barquinho. Diminua e adentre o barquinho. Ainda está tudo lá: seus sonhos, promessas, palavras, tudo exatamente do jeito que você deixou. Do jeito que eu permiti que você deixasse. Pegue cada sonho, lembre de cada promessa, mentalize cada palavra. Eu fiz pra você, eu prometi a você, eu disse pra você. Venha, entre no barquinho. Diminua, e conheça o interior do barquinho. Eu decorei tudo do seu jeito, e escrevi, com meu sangue, os seus pedidos nas paredes do interior dele. Você pensou que o sangue fosse seu, não foi mocinha? Não se assuste, o seu machucado ainda não sangrou. Não se iluda, você ainda não possui cicatrizes. Mas elas podem nascer a qualquer momento, então antes que elas surjam, diminua e entre no barquinho, fique por lá. Sinta como é o cheiro dele, veja como ele é confortável, feito sob medida pra você. Não se preocupe em guiá-lo, não se preocupe, mocinha. Eu quero que você descanse no interior do barquinho. Ele seguirá devagar, mas poderá trepidar, ameaçar afundar, quando isso acontecer, lembre-se que só quem pode fazê-lo afundar é você. O barco é seu. 

Ao longo do caminho, muitos outros barquinhos seguirão você. Não tenha medo, minha pequena. É que seu barco de tão branco, reluzirá. Os outros barquinhos precisam da luz do seu barco.

Aconteça o que acontecer, não se jogue no mar. Não esqueça que você não sabe nadar. Você ainda não sabe nadar.

Não se assuste quando o seu barquinho passar por lugares cinzentos, lembre-se: ele reluzirá. 

Então diminua, mocinha, e entre no barquinho. Diminua e você caberá no barquinho.

Não se preocupe com o mastro. Ele é meu.

Mas lembre-se do barco. Lembre-se, mocinha: só você poderá fazê-lo afundar.
Desfrute do descanso e seja inteligente- não o deixe naufragar.

. Há dois anos atrás, essa que vos escreve avistou o barquinho. Dois de novembro de dois  mil e oito: dois anos navegando.
. Quanto aos que resolveram adentrar o barquinho, decidam-se: ou você segura o mastro ou Ele, ou você escolhe a direção ou Ele.
. Queridos leitores, estou de volta. Sentiram minha falta, né? Sabiiiiiiia!