sábado, 9 de julho de 2011

Voar




Cantar a felicidade sobre as nuvens, tocar no sol e não se queimar, subir em árvores sem se ralar, escalar montanhas em questão de segundos. Ver onde o arco-íris nasce e onde ele termina, descobrir pra onde os pássaros vão ao final de mais um dia, encontrar os anjos e perceber que se parecem comigo. Brincar com o vento, sentir ele me desequilibrar, me jogar de uma lado para o outro, na certeza de que ele nunca irá me derrubar. Porque há quem nunca nasceu para isso, mas há aqueles que pertencem aos céus.
Voar, para mim, nunca foi tarefa fácil. Exige empenho, disciplina e uma enorme vontade de ir mais além. Não nasci com nenhum destes.
Logo de início, a primeira coisa a se ter para aprender a voar é adquirir asas. Algumas pessoas já nascem com elas e possuem uma facilidade nata de chegarem às alturas. Outras, as adquirem quase que despretenciosamente, nunca as quiseram, ou, nunca demonstraram querê-las, elas nasceram naturalmente, como as unhas que crescem na ponta dos dedos sem vontade própria, ou como cabelo que aumenta um centímetro de semana em semana. Normalmente, pessoas assim não usam suas asas, é como ter dois carros e só andar a pé. Mas existem aqueles que necessitam de asas porque a vida de terrestre é massacrante demais para estes, aqui eu me encaixo. É mais uma questão de sobrevivência do que de sonho, ou desejo. Este grupo, simplesmente, necessita das asas, e estas lhes nascem da forma mais dolorosa possível. Basta observar as cicatrizes nos ombros. Não são bonitas. 
Então, inicia-se assim um longo processo de adaptação. Tive dificuldades em suportar o peso das asas. Dormir era muito desconfortável e, à medida que elas cresciam, fui privada de entrar em alguns lugares. Neste período, é comum os que não têm asas sentir medo dos que as têm. O tamanho das asas costuma afastar aquilo que ocupa o espaço delas.
Quanto à elegância, foi me imposta. Quem tem asas, obrigatoriamente, deve andar com a coluna ereta, o pescoço firme, o olhar fixo e perpendicular ao chão, tudo isso de forma leve, sem parecer mecânico. Qualquer descuido resultaria em dores mais tarde.
Entretanto, o ponto mais difícil é se manter no ar. No alto. Aqui, a dificuldade de respirar é muito maior, o céu nem sempre está azul límpido, o sol às vezes não brilha, mas descer já não me cabe mais.
Eu tenho asas, aproveitarei os céus. Aqui eu canto, desafinado, mas canto. Me pinto com o brilho de alguma estrela, choro sem me importar porque o vento secará as lágrimas. Adormeço numa nuvem qualquer e acordo sobre o mar. 

É que já estou alto demais e tudo lá embaixo ficou muito pequeno para mim. 



4 comentários:

LARISSA CASTRO disse...

"Mas existem aqueles que necessitam de asas porque a vida de terrestre é massacrante demais para estes, aqui eu me encaixo. É mais uma questão de sobrevivência do que de sonho, ou desejo. Este grupo, simplesmente, necessita das asas, e estas lhes nascem da forma mais dolorosa possível. Basta observar as cicatrizes nos ombros. Não são bonitas."
"Neste período, é comum os que não têm asas sentir medo dos que as têm. O tamanho das asas costuma afastar aquilo que ocupa o espaço delas."
"É que já estou alto demais e tudo lá embaixo ficou muito pequeno para mim."
Achei um texto lindo, e me emocionei. Isso é muito raro pra mim. Me identifiquei.

Danielle disse...

Muito bonito o texto, adorei, também me identifiquei, vc consegue prender a atenção das pessoas com as palavras, quando começo a ler um texto teu vira necessidade terminar todo!rs
=*

Blog da Mari disse...

Oi! é a primeira vez que apareço no teu blog. Quero te dizer, que sei o que é ter asas que nasceram por necessidade. E como dói ver as pessoas que não as tem, tentar arrancá-las de mim com faca e foice, como se o meu voar as impedissem de também fazê-lo. O peso das minhas asas chega a ser insuportável e por vezes me sinto fraquejar e eu mesma não mais querer voar. Mas são textos como esse, que me fazem ver que não estou só nesse dilema. Que a vida não valeria se eu estivesse lá em baixo com os meros mortais sem asas.

Blog da Mari disse...
Este comentário foi removido pelo autor.